Na Constituição Federal de 1988, exatamente no artigo 5º, caput, tem se o direito à vida a todos os brasileiros e estrangeiros que aqui no Brasil residem:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”[1].
Atualmente, o suicídio é visto quase exclusivamente como um sintoma de um transtorno mental; na era greco-romana era considerado um ato que poderia ser heroico, patriótico e até mesmo honroso.
Na Idade Média, o suicídio foi duramente condenado, sendo que aqueles que o praticavam perdiam o direito a serem sepultados.
No Iluminismo, a tolerância para com os suicidas voltou a ser estimulada e, pouco a pouco, acompanhando o desenvolvimento da psiquiatria, passou para o campo da saúde, embora não exclusivamente.
Nesse ponto, foi onde a pessoa perdeu o direito de arbitrar sobre continuar vivendo ou não, pois, sendo a tentativa de suicídio considerada quase exclusivamente um sintoma de um transtorno mental, a pessoa estaria temporariamente incapaz de decidir por si mesma. Autorizando os médicos a realizarem internações e tratamentos involuntários a fim de garantir a vida do sujeito.
De fato, temos bons motivos para imaginar que o desejo de morrer vem de um adoecimento da mente. Observamos que a ideação surge pela junção da percepção da situação atual, como insuportável, associada à desesperança, ou seja, a pessoa não acredita que sua situação irá melhorar. Esses dois pontos são as bases da depressão, o principal transtorno mental associado ao suicídio. Estima-se que 35,8% dos suicídios estejam associados aos transtornos do humor (incluindo transtorno depressivo e transtorno bipolar). Embora outros como a esquizofrenia (associado a 10,6% dos casos de suicídio) e o transtorno por uso de substâncias (associado a 22,4% dos casos de suicídio) também estejam muito implicados nas tentativas de suicídio[2].
Quando os pacientes são tratados adequadamente, as ideações de suicídio em geral alcançam remissão e os pacientes deixam nossas clínicas e consultórios agradecidos por não termos permitido que fizessem a “besteira”, como depois costumam se referir às ideações e às tentativas de autoextermínio.
Outro ponto a corroborar que as ideações de suicídio são um sinal de transtorno mental é o surgimento de medicamentos como a escetamina, que é capaz de resgatar o paciente das ideações de suicídio com poucas aplicações. Também a eletroconvulsoterapia é bastante eficaz e segura na redução dos sintomas depressivos com ideações de suicídio.
Uma revisão de 31 artigos científicos publicados entre 1959 e 2001, englobando 15.629 suicídios na população geral, demonstrou que, em 96,8% dos casos, caberia um diagnóstico de transtorno mental à época do ato fatal[3].
Conclui-se, portanto, que é de suma importância reconhecer e tratar os transtornos mentais a fim de se evitar o desfecho fatal.
Desde 2006, a sociedade brasileira vem se preocupando em como prevenir o suicídio. E, desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) realiza a campanha do “Setembro Amarelo” que tem alcançado notoriedade em todo o país.
A sociedade e os parentes do ente querido perguntam: “O que posso fazer para ajudá-lo?” E a resposta não é simples.
O amparo familiar bem como as relações significantes que ajudam a promover a redução nas causas de suicídios são citados pela OMS em sua Cartilha de Prevenção ao Suicídio, no primeiro parágrafo denominado Fatores de Proteção[4].
Certa vez, uma mãe depressiva crônica me disse: “Meus filhos me agradecem porque eu lhes dei a vida, mas eles me deram a vida várias vezes, pois, muitos dias, eu me levantava por eles”.
Então, o que de melhor podemos fazer para ajudar essas pessoas é que estejamos disponíveis para ouvi-las, acolhê-las, que criemos um espaço físico e emocional em que essas pessoas possam se expressar sem serem julgadas ou recriminadas. É necessária muita coragem para isso, pois é estar em contato com o inferno pessoal do outro, no entanto, os resultados são muito compensadores.
Referências
[1] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Título II, cap. I, art. 5°. Disponível em siga.arquivonacional.gov.br; acessado em 09/09/2021.
[2] COMPORTAMENTO SUICIDA: conhecer para prevenir. Setembro Amarelo. Suicídio e transtornos mentais. ABP, CFM;
[3] COMPORTAMENTO SUICIDA: conhecer para prevenir. Setembro Amarelo. Caput Bertolete e Fleischmann, World Psychiatry, 2002
[4] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Prevenção do suicídio um recurso para conselheiros. Genebra: OMS, 2006.
Por: Dra. Márcia Regina, Psiquiatra.
IMPI–Instituto de Medicina e Psicologia Integradas
RT: Dalmo Garcia Leão CRM 4453
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