Para Danielle Somers, o tie-dye assumiu o status de um ritual durante a pandemia.
Como todos os bons rituais, é uma mistura de ordem e caos: o processo é profundamente familiar, mas os resultados permanecem misteriosos. Ao fazer esse tipo de pintura, ela prepara e configura as diferentes cores, colocando os elásticos no tecido, mergulhando o pano na tinta e, com o tempo, observando os resultados surpreendentes.
“A maioria dos dias na quarentena parece um pouco com o ‘Dia da Marmota’”, disse Somers, mãe de duas crianças pequenas em Potomac, Maryland, referindo-se ao filme que no Brasil se chama “O Feitiço de Tempo”, com Bill Murray, lançado em 1993, no qual o mesmo dia, o Dia da Marmota, é vivido repetidamente.
“É divertido misturar as cores e fazer algo que é apenas para minha diversão. O autocuidado é um pouco estranho hoje em dia”.
Danielle Somers está entre os milhares de pessoas que adotaram a prática de pintura durante a pandemia. Os vídeos instrutivos de como amarrar e tingir tecidos (ou seja, tie-dye) fazem sucesso no TikTok e no Instagram, e as vendas de kits de tingimento de tecidos e tie-dye aumentaram significativamente, de acordo com pessoas do setor.
Nessas redes sociais, você encontra vídeos de famílias inteiras cobertas da cabeça aos pés com camisetas e moletons recém-tingidos – tem até quem os combine com toalhas de mesa.
Isso faz do tie-dye mais uma das artes não oficiais típicas desse momento de pandemia, rivalizando talvez apenas com fazer pão caseiro em popularidade e devoção. É uma maneira barata de injetar brilho e leveza em um momento de alto risco, distraindo-nos do mofo literal e figurativo que acumulamos por ficar presos em casa por meses a fio.
Por que tingir?
Parte do apelo do tie-dye é seu aspecto prático. É uma arte, devidamente testada pelo tempo, que pode ser complexa ou simples conforme o seu desejo. Um tecido cuidadosamente dobrado, tingido no método japonês chamado shibori, com séculos de tradição, pode ser tão satisfatório para um tintureiro experiente quanto uma camiseta branca com algumas gotas de cor é para um pré-escolar.
Realmente, o único requisito para ser um tie-dyer eficaz é o controle de impulso para não despejar as tigelas de tinta sobre o tecido.
“As pessoas ficam impressionadas com a facilidade da técnica”, opinou Jonathon Spagat, diretor criativo e um dos proprietários da Rit, uma empresa centenária de tinturas de tecidos. “Não existe tie-dye ruim. Ele é sempre sensacional!”
Amarrar e tingir tecidos é uma arte e uma ciência que atrai pessoas, grandes e pequenas, com interesses diferentes. Alguns gostam da moda, enquanto outros gostam de ver como diferentes dobras ou padrões de elásticos produzem desenhos diferentes.
Há também vantagens ambientais e econômicas. Poucos de nós veem muitas razões para investir em roupas novas neste momento, considerando que não estamos saindo para lugar nenhum. Portanto, é emocionante pegar nossas roupas velhas e gastas e dar a elas uma emocionante segunda vida com cerca de R$ 50 em tintura de tecido e um pacote de elásticos.
“Isso nos dá a chance de reciclar nossas roupas velhas. É uma razão para não jogar coisas velhas fora”, opinou Spagat, acrescentando que aproveitar roupas velhas e moribundas, em vez de comprar roupas novas, reduz significativamente nossa pegada de carbono.
Tie-dye como terapia
O apelo do tie-dye também é metafísico. Ele traz uma carga emocional poderosa, embora um pouco inefável, ao nos envolver com tecidos e cores. Isso nos acalma e nos restaura.
“Os seres humanos têm essa necessidade de tato e os tempos da Covid-19 têm sido uma zona com muito pouco tato”, disse Preeti Gopinath, diretora do programa de mestrado em belas artes têxteis e professora associada de têxteis da Parsons School of Design de Nova York.
“Toda a sensibilidade tátil (a percepção do toque) de trabalhar com tecidos atende a uma necessidade humana primordial e, durante esse período de crise, você procura coisas que lhe proporcionem conforto. É como Linus [da turma do Snoopy] e o cobertor, todos precisamos segurar algo – e nada se iguala aos panos”.
O tie-dye tem muitas associações de bem-estar, aparecendo em fotos de festivais de música ao ar livre e acampamentos de verão. É algo vestido durante essas experiências, uma relíquia que guardamos daqueles dias felizes.
Maya Joyandeh, mãe de três filhos em Teaneck, Nova Jersey, desenvolveu sua técnica de tie-dye em acampamentos e esperava que seus filhos fizessem o mesmo neste verão. Mas, quando veio a pandemia, eles decidiram manter todos em casa, pois seus dois filhos mais novos corriam alto risco. A família aproveitou para fazer a prática que esperava aprender no acampamento.
“Quando nossa menina de 6 anos fez a tintura, ficou em êxtase. Ela ajudou nosso filho de 2 anos com a camiseta dele, e nosso bebê de 1 ano também ganhou um moletom tie-dye!”, contou. “Quando eu os vi, eu chorei de emoção. Senti mesmo que estávamos dando a eles a melhor experiência de ‘acampamento’ que podíamos, dadas as circunstâncias”.
Joyandeh e outros pais disseram que o artesanato deu aos filhos uma sensação de poder em um momento em que muito mais lhes foi tirado. “Eles escolhem as cores, o design e ficam muito felizes com o resultado”, disse.
Há também uma forte ligação entre os movimentos tie-dye e a contracultura, a cultura hippie, que muitos fãs do processo apreciam.
Shabd Simon-Alexander, designer têxtil e autora do livro “Tie-Dye”, contou que a técnica tende a voltar à moda durante momentos de turbulência política – começou a aparecer nas passarelas alguns anos atrás, antes de entrar lentamente na moda mais popular.
“Associamos o tie-dye com a década de 1960, quando decolou em um momento em que as pessoas tentavam encontrar um senso de identidade fora do establishment, e realmente queriam se expressar no que vestiam”, disse ela. “Os hippies queriam usar coisas artesanais, pois tudo neste país se tornava cada vez mais produzido em massa”.
Hoje, como muitos estão frustrados com a situação em termos de resposta à pandemia e relações raciais, o tie-dye pode parecer, conscientemente ou não, como um pequeno ato de protesto contra a segurança da casa.
O tie-dye tem sido e continua sendo, para muitos agora, um pequeno ato de otimismo.
Isso nos dá a chance de estarmos presentes neste momento, ao mesmo tempo em que chamamos a atenção para o fato de que as coisas podem ser diferentes – espero que para melhor.
*Elissa Strauss colabora regularmente com a CNN, para a qual escreve sobre a política e a cultura de criar os filhos.
Por Elissa Strauss – CNN