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Brasil

Suicídio: uma reflexão sociocultural

Dr. Vitor Borges faz reflexão

Foto: Freepik

No ano de 1897, o psicólogo social Émile Durkheim publicava a importante obra “O Suicídio”, relacionando o tema e seu aumento, com o grau de anomia das sociedades. Quando uma sociedade começa a se tornar “anômica”, ela passa a expressar uma crescente crise em sua escala de valores. A perda dos valores fundamentais, como o “Bem”, o “Belo” e a “Verdade”, que constituem a correta estrutura da realidade e o saudável ordenamento da inteligência humana, leva o homem a um progressivo declínio moral e, com o mesmo, a um aumento do seu sofrimento psicológico e social.

Em resumo, a perda do sentido moral e do senso de correto leva o homem a um embotamento de sua capacidade de entender a realidade. A imoralidade nasce da relativização dos valores éticos e estruturantes ao homem e tem como consequência o enfraquecimento da consciência, o declínio moral e, por conseguinte, o embotamento psicológico. O homem passa, assim, a não medir a consequência de suas ações, tornando-se um ser inconsequente e inconsciente, enfraquecido em sua vida interior. Esse rebaixamento da consciência na escala pessoal, quando transposta para a social, corrobora uma perda progressiva de sentido, pois o sentido é o que determina o grau de saúde mental de cada indivíduo, nascendo de sua interiorização e fidelização aos valores vitais. Valor = vida; perda do valor = morte, decomposição do tecido social.

Anomia é, portanto, uma perda dos valores que comunicam o bem e a vida a uma determinada cultura e sociedade. É, basicamente, a incapacidade de dar nomes, de identificar o certo do errado, o que é bom do que é ruim, o que é saudável do que é doentio. Quando a sociedade perde essa capacidade de nominar, o suicídio passa a vitimar principalmente sua população mais jovem, reconhece Durkheim.
Em artigo publicado no jornal O Globo, em 24 de abril de 2017, a Dra. Ana Escobar, respeitada médica pediatra, chamou a atenção para um significativo aumento (27,2%) na taxa de suicídio entre jovens de 15 a 29 anos entre o final da década de oitenta e o ano de 2014. Portanto, nesse contexto, podemos confirmar a tese de Durkheim de que a sociedade brasileira paulatinamente foi se tornando anômica com a perda progressiva dos valores fundamentais.

De fato, a cultura brasileira apresenta males sociais específicos ao desenvolvimento da nação, relativos a desigualdades sociais e políticas públicas adoecidas, que configuram uma enferma dissociação entre Estado e sociedade. O espírito da sociedade brasileira atual caracteriza-se por uma ausência de valores sólidos e um enfraquecimento moral progressivo que impacta diretamente a saúde mental da população. Soma-se a isso uma carência de sentidos vitais para se viver uma vida com propósito e crescimento psíquico.

O suicídio, não nos iludamos, não é um mal psicológico apenas que afeta alguns indivíduos relativamente distantes de nossa experiência cotidiana. Ao contrário, é um contágio social crescente, em razão de estarmos atualmente instalados em uma cultura de morte. E, diante de uma cultura de morte, que fomenta falsos valores indutores de falsas identidades, podemos esperar pela vida?

Vejamos algumas características dessa cultura de morte que se desenha em tons cada vez mais sombrios e que se apresenta como demanda para o olhar dos profissionais de saúde mental:

• Cenário cultural caracterizado pelo hedonismo, pela busca do prazer imediato e pela alienação de uma felicidade de crescimento humano pelo progresso das virtudes intelectuais e morais do homem. Com isso perde-se o sentido da responsabilidade nas relações, veículo de formação da consciência em cada indivíduo.

• Padrão cultural/comportamental competitivo e comparativo, em vez de solidário e cooperativo, manifestando-se nas organizações de trabalho, nos núcleos familiares e nas diversas condições de ensino. Vivemos na era do narcisismo competitivo que sufoca as possibilidades para o florescimento de vínculos de amor, os únicos capazes de oferecer sentido de desenvolvimento e segurança ao ser humano. Uma sociedade narcisista é, acima de tudo, aquela que oferece aos seus indivíduos a experiência do vazio existencial, da solidão emocional e do pânico em relação ao fracasso, que caracterizam as chamadas “neuroses noogênicas”, as neuroses do vazio espiritual e moral do homem moderno como tão bem reconheceu e explicitou o psiquiatra vienense Viktor Frankl (1905/1997), fundador da logoterapia.

• O amor incondicional, necessário ao ser humano em seus primeiros anos de desenvolvimento, em especial no seio familiar, está desaparecendo. Em seu lugar, a lógica do sucesso condiciona o valor dos indivíduos a um território instável, unilateral e alienante. O mundo que se apresenta para a criança, em sua cultura familiar, e que espelha a cultura social vai se tornando soturno, ameaçador e problemático. Durante toda a sua vida acadêmica, do ensino fundamental até o superior, o indivíduo não encontra ambientes propícios ao seu desenvolvimento emocional. Ele é simplesmente soterrado por informações sem compreensões, muitas vezes inúteis à sua singularidade, sendo cobrado, em vez de ser estimulado, dentro de condições emocionais generalizadas e massificadas.

• O compromisso com o excesso de informações colapsa, por sua vez, o entendimento psicológico das instituições de ensino a respeito da singularidade de cada educando. Testemunhamos a morte da singularidade, o elemento mais sagrado de cada indivíduo e que lhe confere senso de pertinência e ajuste em relação a si mesmo. Quando chega à adolescência, percebe-se que o indivíduo vive sobre uma base de valores narcisistas, no lugar dos amorosos capazes de lhe comunicar a vida. Sem sustentação para seu valor humano fundamental, o jovem, ao se deparar com suas possibilidades de “fracasso”, tomba como um castelo de cartas agitado pela mais leve brisa.

• Nossa cultura atual reforça, em nossos jovens, apenas as condições e conquistas externas como ser bem-sucedido profissionalmente, ser bem aceito e elogiado nas relações por suas conquistas e ser o melhor em tudo o que faz. Qualquer crítica suscita um grande abalo, qualquer rejeição pode se tornar sinônimo de morte; e a vida humana, entregue a determinismos tão pobres, inconscientes, inconsistentes e nervosos, não é capaz de se conectar com seu potencial em direção à sua realização consciente, permanecendo imaginariamente numa espécie de túnel escuro e sem saída. E, nesse contexto, o suicídio passa a se configurar como uma alternativa de alívio.

• Somado a isso, o excesso de extroversão, de atividades, de informações muitas vezes inúteis, aniquila pelo sufocamento a necessária virtude da introversão. Formam-se, então, indivíduos “desplugados” de si mesmos, sem contato com seu mundo íntimo. Ocos, vazios, carentes de autoaceitação e desconfortáveis com quem são porque não foram estimulados a olhar para dentro e se conhecerem, passam também a não saber o que verdadeiramente querem por meio dos seus verdadeiros potenciais e aptidões. Para muitos desses jovens, o mundo não é um lugar para ser explorado curiosamente, mas, sim, conquistado em meio a receios e temores ansiosos.

Nossos jovens têm compensado a falta de identidade, sua “anomia pessoal”, por meio da satisfação de prazeres instantâneos, reforçados por uma sociedade de consumo que substitui o valor do ser pela lógica do ter. Incapazes de conferir propósito e sentido de conexão para suas vidas, vivem na busca de um prazer compensatório, jamais das descobertas conscientes. Resumindo, tal indivíduo primeiro se perde ou jamais encontra sua singularidade, sentindo-se excêntrico, fora do seu centro. Há, assim, uma desconexão de si mesmo pela própria validação a todo custo por parte dos outros. Em seguida, busca apoio em prazeres vazios que não autorrealizam, ficando refém de compulsões e apetites insaciáveis quase sempre compensatórios. Por fim, sentindo-se tão vazio e desplugado de sua identidade singular, prefere morrer.

Concluindo, é a nossa cultura que faz os nossos jovens não quererem mais viver e é este padrão cultural endereçado à morte que precisa morrer, para que cada indivíduo possa voltar a um modo de viver caracterizado por sentido, solidariedade, compreensão e propósito. Como Carl Jung, eminente psiquiatra do último século, afirmou: “Somente o que é significativo pode salvar!”
Tendo em vista esse sombrio cenário sociocultural reforçador do suicídio, o que podemos fazer para deter e inibir esse processo?

De imediato quatro perspectivas que precisam se mesclar:

1- Ajuda profissional: de psicólogos, terapeutas e psiquiatras sensíveis a esse cenário mais amplo no auxílio em direção à maior interioridade dos indivíduos e aceitação de suas singularidades. Profissionais não apenas imbuídos de técnicas, mas de atenção amorosa acima de tudo.

2- Literatura: ler auxilia os indivíduos a se religarem aos valores mais profundos do viver. Necessitamos de uma cultura literária que faça sentido e comunique propósito e resgate dos valores intrínsecos e essenciais!

3- Arte: uma experiência artística, um verdadeiro contato com a arte que comunique presença de sentido e que não choque as mentes por sua ausência de sentido, pois, pela arte vinculada ao “belo”, ao que faz sentido e comunique um valor, o indivíduo se inspira e enriquece seu olhar em direção à vida.

4- Espiritualidade: é justamente na espiritualidade que encontramos o endereço residencial da verdadeira identidade do homem. Um homem religado contrasta radicalmente de um homem desligado.

Para o jovem de hoje sobreviver, ele precisa voltar a aprender com o passado, a fim de continuar seus passos em direção ao futuro. E, para superarmos o presente estado das coisas, precisamos voltar ao passado clássico identificado a valores fundamentais, para, então, prosseguirmos com mais inspiração em direção ao futuro de modo realmente progressista. Progredir é acima de tudo conservar e conservar produz as condições para se progredir. O homem moderno cerrou o galho do seu “passado” em que estava sentado e caiu no vazio. Assim como uma árvore que perde suas raízes morre, o homem moderno, por querer perder suas raízes nascidas da sabedoria grega e dos valores cristãos, perdeu-se em direção à sua valorização. Não houve um acúmulo para o progresso e, como um indivíduo que perde suas memórias e vê-se no desamparo, o homem moderno rompeu consigo mesmo, buscando muitas vezes no suicídio uma saída alienante para sua falta de sentido no viver.

Autor: Dr. Vitor Santiago Borges

IMPI–Instituto de Medicina e Psicologia Integradas
RT: Dalmo Garcia Leão CRM 4453

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Saúde

Erro médico faz mulher tratar por 6 anos câncer inexistente

Justiça de São Paulo condenou a Amico Saúde, empresa médica de São Bernardo do Campo a pagar R$ 200 mil de indenização à paciente

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Uma mulher de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, recebeu uma indenização de R$ 200 mil da Amico Saúde, empresa médica que a submeteu a um tratamento de quimioterapia por seis anos por uma metástase óssea que nunca existiu. A Justiça de São Paulo considerou que houve erro médico de diagnóstico e tratamento, que causou danos físicos e psicológicos à paciente.

A mulher, que tinha 54 anos em 2010, foi diagnosticada corretamente com câncer de mama e fez uma mastectomia. Porém, em outubro do mesmo ano, um novo exame indicou que ela tinha metástase óssea, ou seja, que o câncer havia se espalhado para os ossos. Ela então iniciou um tratamento de quimioterapia, que continuou mesmo após mudar de plano de saúde em 2014.

Em 2017, os médicos do novo plano de saúde desconfiaram do diagnóstico e pediram um exame mais preciso, chamado PetScan, que revelou que a mulher não tinha metástase óssea. O resultado foi confirmado por outro exame em 2018 e por um laudo pericial do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo.

Um exame feito em 2010, na mesma época em que ela começou a quimioterapia, já havia apontado que a probabilidade de ela ter metástase óssea era baixa, mas esse dado foi ignorado pelos médicos da Amico Saúde. A Justiça não conseguiu explicar por que a mulher foi tratada de forma equivocada por tanto tempo, se por negligência ou por economia.

A mulher relatou que sofreu muito com os efeitos colaterais da quimioterapia, como dor, insônia, perda óssea, perda de dentes e limitação dos movimentos da perna. Ela também disse que viveu uma grande angústia psicológica, achando que iria morrer a qualquer momento. “Cada sessão de quimioterapia se tornava um verdadeiro tormento à autora, porque a medicação é muito forte e possui inúmeros efeitos colaterais”, afirmou a defesa da paciente.

A sentença que condenou a Amico Saúde a pagar R$ 200 mil de indenização foi dada em primeira instância e confirmada pelo Tribunal de Justiça. O relator do recurso, o desembargador Edson Luiz de Queiroz, destacou que “a paciente foi levada a sofrimento que poderia ter sido evitado”.

No final de 2023, a Amico Saúde fez um acordo com a mulher e pagou os R$ 200 mil.

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Política

Lula anuncia Ricardo Lewandowski como novo Ministro da Justiça

Jurista se aposentou como ministro do STF em abril de 2023, perto de completar 75 anos

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Em uma cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta quinta-feira (11) a escolha do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski para comandar o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Lewandowski substituirá Flávio Dino, que foi indicado por Lula para ocupar uma vaga no STF e teve seu nome aprovado pelo Senado.

Lula destacou o currículo e a experiência de Lewandowski, que foi “um extraordinário ministro da Suprema Corte” e aceitou o convite na quarta-feira (10). O presidente disse que a nomeação será publicada em 19 de janeiro e que o novo ministro tomará posse em 1º de fevereiro. Até lá, Flávio Dino permanecerá à frente da pasta, que ele conduziu de forma “magistral”, segundo Lula.

“Eu acho que ganha o Ministério da Justiça, ganha a Suprema Corte e ganha o povo brasileiro com essa dupla que está aqui do meu lado, cada um na sua função”, afirmou Lula, que estava acompanhado de Lewandowski, Flávio Dino, e da primeira-dama, Janja da Silva.

Lula também declarou que dará autonomia para que Lewandowski monte sua própria equipe na Justiça, mas que pretende conversar com ele em fevereiro sobre os nomes que ficarão ou sairão do ministério. O presidente comparou a situação a um técnico de futebol, que deve escalar seu próprio time e ser responsável pelos resultados.

“[Em 1º de fevereiro] Ele [Lewandowski] já vai ter uma equipe montada, ele vai conversar comigo e aí vamos discutir quem fica, quem sai, quem entra, quais são as novidades”, disse Lula.

Ao final da cerimônia, Lula revelou que a primeira-dama Janja espera que mulheres tenham mais espaço na nova gestão da Justiça, ao que Lewandowski respondeu: “Certamente”.

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Saúde

Menina de 8 anos se queixa de dores de cabeça, desmaia e morre após AVC

Maria Julia de Camargo Adriano estava na rede da casa onde morava em Ribeirão do Pinhal (PR) quando se queixou de dores na cabeça

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Uma tragédia abalou a família de Maria Julia de Camargo Adriano, de 8 anos, que morreu após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) no último sábado (6). A menina, que era natural de Paraná, tinha o sonho de ser veterinária e era muito inteligente e dedicada aos estudos.

Segundo relatos da família, Maria Julia começou a sentir fortes dores de cabeça e perdeu a consciência. Ela foi socorrida e levada ao hospital mais próximo, onde os médicos constataram que ela tinha um sangramento no cérebro.

Devido à gravidade do caso, ela precisou ser transferida duas vezes, até chegar ao Hospital Universitário (HU) de Londrina, onde ficou internada na Unidade de terapia intensiva (UTI). Apesar dos esforços da equipe médica, ela não resistiu e teve a morte confirmada na segunda-feira (8).

A causa do AVC foi um aneurisma, uma dilatação anormal dos vasos sanguíneos, que se rompeu e provocou uma hemorragia cerebral. A tia de Maria Julia, Adriana, disse que a menina não tinha nenhuma doença pré-existente e que os médicos consideraram o ocorrido uma fatalidade.

O AVC é uma condição que afeta principalmente adultos, especialmente aqueles que têm fatores de risco como diabetes, obesidade e tabagismo. Em crianças, é muito raro e pode estar associado a alguma má formação na estrutura corporal.

A médica neurologista Adriana Moro explicou que o AVC em crianças é difícil de ser diagnosticado, pois não é uma suspeita comum quando há alguma alteração neurológica. Ela alertou para a importância de reconhecer os sintomas do AVC, como dor de cabeça, fraqueza, alteração da fala e visão, e procurar atendimento médico imediato.

A família de Maria Julia está devastada com a perda da menina, que era alegre, carinhosa e amava os animais. Eles pedem orações e apoio neste momento de dor e luto.

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