Somos dependentes dos cuidados amorosos dos nossos pais desde o nosso nascimento, e nossa personalidade só pode se desenvolver e se tornar integrada, coesa e saudável se receber atenção amorosa em seu processo de desenvolvimento.
O próprio senso de identidade de cada um ganha unidade e consistência apenas, através do amor. Ao longo do nosso processo de amadurecimento humano levamos nossa necessidade de sermos amados para todos os nossos relacionamentos. Precisamos de aceitação, de validação para nos sentirmos estáveis em nossa autoestima. Assim como o ser humano necessita do olhar amoroso do outro para se equilibrar e extrair sentido de suas experiências emocionais, vivemos instintivamente ligados no curso de nossas vidas a essa necessidade central. Se nos sentimos amados em nossas experiências, nossa autoestima estará equilibrada, caso contrário, experimentamos angústia.
E aqui é importante destacar o que eu chamo de “tripé da angústia”, que se baseia em três temas ou motivos fundamentais: o motivo do desamparo e abandono; o motivo da rejeição e finalmente, o motivo do fracasso. Todos esses temas se interpenetram uns nos outros, pois em nossa vida emocional relacionamos a angústia do abandono e da rejeição ao tema do fracasso. Sentimos medo significativo de fracassarmos porque, caso isso ocorra, podemos ser rejeitados e abandonados, o que leva a um profundo desequilíbrio em nossa autoestima. Podemos dizer que todos os quadros psicopatológicos nascem ou se desenvolvem desse “tripé da angústia”.
Entretanto, em nossa atual cultura, não podemos deixar de observar a presença da angústia se manifestando e se proliferando em escalas cada vez mais amplas e gerais. Um dos mais importantes e influentes autores da Saúde Mental do último século, Viktor Frankl, fundador da Logoterapia e falecido em 1997, salientou ao longo de sua rica obra, que a neurose contemporânea pode ser designada pelo termo “noogênica” que significa uma neurose não mais de repressão, como era mais comum no início do século 20 e bem explorada pela Psicanálise. A neurose do nosso tempo atual é uma neurose de “vazio existencial/emocional” que leva às pessoas a todo tipo de desajuste, compulsões e sofrimento. Esta neurose está diretamente relacionada ao fatídico sinal de que falta dois elementos importantíssimos na experiência do amor: o compromisso e a responsabilidade para com o ser que intencionamos amar.
Zygmund Baumam, grande filósofo falecido recentemente, cunhou o termo próprio de nossa época caracterizada por “amores líquidos”, ou seja, relacionamentos pautados pelo desvalor desde o início, exclusivamente utilitaristas e descartando o contato com o outro com uma facilidade líquida, que realmente liquida toda a possibilidade de se desenvolver uma história ou experiência do amor, levando os indivíduos a se sentirem cada vez mais descartados, fragilizados, machucados, abusados e negligenciados,fomentando assim profundas rachaduras na autoestima pessoal.
E é neste contexto em que o amor vem sendo desvalorizado que as pessoas adoecem desenvolvendo todo tipo de transtorno de humor. Há certamente nessa cultura, gatilhos que reforçam esse sofrimento. E aqui cito apenas um, que venho observando na clínica cotidiana – osreforços para os desajustes e frustrações emocionais advindos dos aplicativos de relacionamento em que as pessoas se buscam, mas partindo sempre de uma lógica de descompromisso.
Há uma coisa a se destacar relativa a esse contexto: em primeiro lugar, um encontro afetivo entre duas pessoas jamais poderá ser programado. Ele é um acontecimento vivo e mágico que transcende nossas idealizações e expectativas. Conhecer e se encantar por uma pessoa, e decidir amá-la em um relacionamento significativo leva o ser humano à experiência da saúde. E há etapas nesse processo: conhece-se no namoro, planeja-se no noivado e consuma-se no casamento, sendo o compromisso o valor que costura e dá coesão a toda essa experiência. São duas pessoas se encontrando, levando em conta, acima de tudo sua dimensão pessoal. Qualquer pessoa não é uma coisa ou objeto que possa ser consumido e logo depois descartado. A experiência da intimidade sexual nasce do conhecimento que aos poucos se desenvolve e se pronuncia. Mas o que ocorre é o contrário, sendo o sexo o início e o termo de qualquer encontro. Há consumo sexual sem experiência de conhecimento íntimo e pessoal levando as pessoas a se sentirem cada vez mais degradadas nesse processo.
A experiência do amor não está reduzida ao prazer, mas o prazer no amor é apenas um dos seus aspectos colaterais e jamais central. Nos sites de relacionamento, vemos verdadeiros cardápios humanos, em que as pessoas reduzem sua humanidade à experiência do prazer. Marcam encontros, mas o que via de regra vem depois é sempre o desencontro e a frustração atingindo profundamente a autoestima das pessoas. É nos sites de relacionamento que se fabrica em grande escala os “amores líquidos”, a liquidez e o descarte do valor humano, em que o consumo sexual suplanta qualquer possibilidade de construção de um compromisso saudável com o outro.
Com o tempo observamos certo cinismo no comportamento dos indivíduos uns com os outros, contribuindo assim para o sofrimento psicológico e os transtornos de humor. Ao meu ver são as mulheres que mais sofrem nessa forma de experiência. Vivemos um tempo paradoxal, caracterizado por muita gente no mundo e muito solidão! O ser humano não se relaciona muito bem com a solidão, na verdade a teme profundamente, porque sua natureza psicológica é RELACIONAL. Entretanto, a solidão só será extinguida de nosso contexto, se o valor da responsabilidade e compromisso voltar a ser o solo seguro dos nossos relacionamentos.
Falsos valores fomentam falsas identidades! É possível o ser humano se manter saudável e equilibrado em uma sociedade caracterizada porprazer sem compromisso? Por prazer apenas pelo prazer, sem se construir algo, uma narrativa que se desenvolve no e pelo amor?
AMOR – base fundamental da saúde mental e que constitui a substância da própria vida e de toda existência. É justamente quando ele falta e no lugar dele apenas o prazer vazio se pronuncia, que observamos uma cultura decadente e patológica pautando os comportamentos.
Precisamos ser mais profiláticos e assertivos nesse processo. Não se permita se “liquefazer” em sua condição emocional em contatos humanos que apenas reforçam a baixa autoestima, fomentando a experiência da angústia e do vazio. Selecionar bem as pessoas com as quais abrimos nossas necessidades emocionais e vitais é fundamental para a nossa Saúde Mental. Pense nisso!
Por: Dr. Vitor Santiago Borges
IMPI–Instituto de Medicina e Psicologia Integradas
RT: Dalmo Garcia Leão CRM 4453
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