Nesta terça-feira (28), ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de Estado participaram de uma audiência pública em defesa da regulação das redes sociais, com a responsabilização das empresas que as oferecem ao público. Por outro lado, advogados das bigtechs, como Google e Meta, proprietárias de redes e aplicativos como YouTube, Instagram, Facebook e WhatsApp, contestaram a iniciativa, argumentando que a autorregulação já existente pode ser aprimorada para garantir uma internet mais segura no Brasil.
A audiência pública foi convocada pelos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, que são relatores de dois recursos que tratam do uso abusivo das redes sociais e pedem a remoção de conteúdos. O tema é de interesse público, afirmou Fux na abertura.
Os processos visam determinar se trechos do Marco Civil da Internet estão de acordo com a Constituição, em especial o Artigo 19 da lei, que trata da remoção de conteúdo mediante ordem judicial. A audiência começou na manhã de terça e segue até amanhã (29), abrangendo também projetos de lei que visam regular as redes sociais e proteger a democracia no ambiente digital, especialmente o chamado Projeto de Lei (PL) das Fake News.
“Creio que é muito importante que o Congresso Nacional, de forma célere, delibere, para que tenhamos parâmetros legais para a atividade de plataformas digitais no Brasil, inspirados nas boas experiências internacionais”, disse o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei, na abertura da audiência.
Além de ministros do STF e de governo, bem como os representantes das plataformas, que também falaram durante a abertura dos trabalhos, estão previstas as participações de representantes do Ministério Público, da Associação Nacional de Jornais (ANJ), da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Ministros do Supremo
Durante a manhã, uma das falas mais enfáticas foi a do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que também atua como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e colaborou diretamente com as plataformas de redes sociais para garantir a segurança das eleições gerais de 2022.
Segundo Moraes, “não podemos continuar achando que as redes sociais são território sem lei, sem qualquer responsabilidade. Não é possível que, apenas por serem instrumentos e depositários das comunicações, [as plataformas] não tenham nenhuma responsabilidade. O modelo atual está falido”.
O ministro citou os ataques ao Três Poderes em 8 de janeiro, que teriam sido coordenados via redes sociais, como exemplo da falência desse modelo. Já o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que há consenso sobre os problemas das redes, que ameaçam a democracia e a dignidade dos indivíduos nos moldes atuais, tornando-se “instrumentos do extremismo político”.
Barroso ainda ressaltou que “todo o mundo democrático está debatendo como lidar com este problema sem afetar a liberdade de expressão”. Gilmar Mendes, que também vem defendendo a responsabilização das redes sociais, acrescentou que episódios como o de 8 de janeiro “de alguma forma guardam conexão direta com esse uso abusivo da internet. É claro que o sistema jurídico precisa encontrar meios e modos de lidar com essa temática”.
Ministros de governo
Durante sua vez, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que o governo tem uma posição “opinativa” sobre o assunto, já que a deliberação do tema cabe ao Judiciário e ao Legislativo, mas que está disposto a contribuir com os debates internos e a dar sua opinião, pois é para isso que é pago.
Dino defendeu a ideia de que existem limites para as manifestações nas redes sociais e que isso não ameaça os direitos fundamentais. “A liberdade de expressão não está em risco quando se regula. Pelo contrário, regular a liberdade de expressão é defender a liberdade de expressão”, afirmou o ministro. Por essa razão, ele acrescentou que “não há nada de estranho, heterodoxo ou pecaminoso nesta corte ou no Congresso em discutir a regulamentação do conteúdo da liberdade de expressão”.
Dino explicou que o governo está debatendo internamente em três frentes diferentes, com propostas de regulamentação relacionadas ao direito do consumidor, à responsabilidade civil “ponderada e proporcional” das plataformas de redes sociais que permitem abusos e também questões relacionadas à transparência e à auditabilidade de algoritmos.
“Não estamos tratando apenas de modelos de negócios. Estamos falando do controle das subjetividades na sociedade, estamos falando do controle do espaço público e do discurso político da sociedade, muito além dos hábitos de consumo”, disse o ministro.
Jorge Messias, ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), concordou com Dino e afirmou que “o debate sobre o regime de responsabilidades dos provedores de aplicativos ou ferramentas de internet está absolutamente na ordem do dia. E há uma grande convergência nesse sentido”.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, também concordou com essa posição e destacou a necessidade de um trabalho de reorientação e educação midiática em defesa da democracia. “O problema é muito mais complexo do que simplesmente estabelecer regulação ou balizas burocrático-institucionais, nós sabemos disso”, enfatizou. Ele acrescentou que é necessário “assumir essa tarefa de colocar um freio institucional [no abuso das redes], que permita uma reorientação cultural e ideológica de toda a sociedade”.
Dino e Almeida também mencionaram o ataque ocorrido em uma escola na zona oeste de São Paulo no dia anterior, no qual um aluno de 13 anos esfaqueou e matou uma professora de 71 anos, além de ferir outros professores e colegas. Eles relacionaram o incidente à liberdade encontrada nas redes para a disseminação de discursos de ódio.
Plataformas
O advogado Rodrigo Ruf Martins, em nome da multinacional de tecnologia Meta, que é dona de plataformas como Instagram, Facebook e WhatsApp, argumentou contra a ideia de que responsabilizar civilmente as plataformas resultará em um ambiente mais seguro para a internet brasileira. Ele citou os termos de uso das redes sociais da empresa que já preveem a remoção de conteúdos ilegais, como a pedofilia e a violação de direitos autorais. Martins trouxe números que mostram que a empresa remove milhões de publicações voluntariamente de suas plataformas sem necessidade de ação do Estado.
Martins mencionou a parceria da Meta com o TSE, que levou à remoção de publicações prejudiciais ao processo eleitoral, e afirmou que a empresa não foi omissa no combate a conteúdos violadores durante as eleições de 2022 e em 8 de janeiro. Ele destacou a integridade como uma parte extremamente relevante do modelo de negócios da empresa, pois os anunciantes não desejam associar suas marcas a conteúdos indesejados ou investir em plataformas que permitam esse tipo de comportamento online.
Além disso, Martins mencionou as maiores ameaças à internet brasileira, como a edição de medidas executivas que restrinjam o poder de moderação das plataformas, projetos legislativos que preveem uma espécie de imunidade para autoridades nas redes e o acúmulo de ações judiciais que pedem a liberação de conteúdos moderados pelas plataformas.
O advogado-sênior do Google, Guilherme Cardoso Sanches, também argumentou que a empresa remove milhões de conteúdos anualmente de suas plataformas sem necessidade de legislação adicional e decisão judicial. Ele ressaltou que a responsabilização das plataformas como se fossem responsáveis pelos conteúdos que hospedam levaria a um dever genérico de monitoramento de todo o conteúdo produzido pelas pessoas, desnaturando completamente o ambiente plural da internet.
Cardoso Sanches acrescentou que a atuação do Judiciário é necessária em casos limítrofes, em que haja dúvida sobre a legalidade do conteúdo. Ele argumentou que criar leis e regras adicionais restringiria a liberdade de autorregulação das plataformas, o que não levaria a uma maior celeridade na remoção de conteúdo. Ele destacou que agir responsavelmente é o certo a fazer e faz bem para os negócios, pois conteúdos ilícitos e danosos não trazem benefícios econômicos e corroem a confiança do público e dos anunciantes.