Após reduzir em quase 100 bilhões de reais a projeção para as receitas federais em 2021, a equipe econômica aumentou o rombo primário previsto para o governo central a 233,6 bilhões de reais em seu projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano que vem, que ainda não contempla a criação do Renda Brasil.
O projeto foi encaminhado nesta segunda-feira ao Congresso e, com o déficit indicado, o governo fechará o oitavo ano seguido com despesas públicas acima das receitas, sem economia para o pagamento da dívida pública.
Em abril, quando encaminhou aos parlamentares o projeto Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2021, que estabeleceu os parâmetros para o projeto do Orçamento, o governo havia estipulado um déficit primário de 149,6 bilhões de reais para o ano que vem.
À época, a equipe econômica já havia pedido, no texto, flexibilidade para que a meta fiscal então fixada fosse mudada sempre que as receitas para o próximo ano fossem recalculadas, o que aconteceu no PLOA.
Agora, a perspectiva é de uma receita líquida de 1,283 trilhão de reais em 2021, queda de 97,3 bilhões de reais frente ao montante calculado em abril. As despesas para o ano que vem, por sua vez, foram estimadas em 1,517 trilhão de reais, recuo de 13,3 bilhões de reais na mesma base de comparação.
As perspectivas foram traçadas com base em um cenário para a economia bastante distinto do que havia sido indicado em abril: para o PIB, o cálculo agora é de queda de 4,7% em 2020 e alta de 3,2% em 2021. No projeto da LDO, a equipe havia partido de uma expansão de 0,02% para o PIB neste ano e de 3,3% no ano que vem.
Ao justificar o fato de o PLOA não prever a criação do Renda Brasil, programa de transferência de renda que está sendo gestado pelo governo Jair Bolsonaro para reunir iniciativas já existentes, como o Bolsa Família, técnicos do governo pontuaram que o projeto orçamentário contempla apenas os programas já em vigor. Para o Bolsa Família, inclusive, o PLOA considerou um aumento de 5,373 bilhões de reais na comparação com o Orçamento de 2020, a um total de 34,858 bilhões de reais.
De acordo com o secretário de Orçamento Federal, George Soares, o aumento deve-se à expectativa de que, na esteira da pandemia de Covid-19, mais famílias se enquadrem nos critérios de admissibilidade do programa. No próximo ano, 15,2 milhões de famílias devem ser elegíveis ao recebimento do benefício, contra 13,2 milhões em 2020.
Para o salário mínimo, que impacta as despesas previdenciárias, o governo não considerou nenhum aumento real, mas apenas a correção inflacionária pelo INPC, levando-o ao nível de 1.067 reais para 2021, ante 1.045 reais neste ano.
O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, frisou que, como o governo trabalha com o “estrito cumprimento do teto de gastos”, regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação no ano anterior, se houver elevação nessa frente será necessário cortar outras despesas para fazer a devida acomodação no Orçamento.
Ele lembrou ainda que cada 1 real de aumento no salário mínimo implica expansão de cerca de 300 milhões de reais em despesas para o governo.
ROMBOS À FRENTE
Para o setor público consolidado, a perspectiva é de déficit de 237,3 bilhões de reais em 2021, número que abarca o dado do governo central, além de um déficit primário de 4 bilhões de reais para estatais federais e um superávit de 200 milhões de reais para Estados e municípios.
Olhando apenas para o governo central, a equipe econômica também piorou sensivelmente seus cálculos para os anos de 2022 e 2023 e prevê agora déficits primários de 185,5 bilhões e 153,8 bilhões de reais, respectivamente. Em abril, os rombos tinham sido apontados em 127,5 bilhões de reais e 83,3 bilhões de reais.
No total, serão pelo menos dez anos com contas no vermelho, expondo a persistência de um desequilíbrio fiscal que começou em 2014.
O secretário do Tesouro, Bruno Funchal, apontou que a expectativa é que o governo siga deficitário até 2027. Ele complementou que só o caminho da consolidação fiscal, com a realização de reformas, é que poderá melhorar esse cenário, diminuindo, de quebra, a atual inclinação da curva de juros.
Em apresentação, a equipe econômica pontuou que a economia pode responder com ganhos de produtividade caso haja a implementação das reformas tributária e administrativa. Isso resultaria em aumento da receita primária.
Segundo Waldery, a reforma administrativa será encaminhada “em breve” para melhorar a eficiência no serviço público.
No mesmo documento, o time do ministro Paulo Guedes ressaltou que ganhos de arrecadação serão revertidos para redução dos déficits primários estimados. Waldery pontuou que no PLOA foram consideradas receitas conservadoras para dividendos, privatizações e outorgas, e que todas elas podem surpreender positivamente no ano que vem.
REGRA DE OURO
Para o cumprimento da regra de ouro, segundo a qual o governo não pode se endividar para pagar despesas correntes, haverá insuficiência de 453,715 bilhões de reais em 2021.
Na prática, o governo terá que novamente pedir a bênção do Congresso para executar despesas nesse montante. Proporcionalmente, elas representam 29,9% dos gastos totais e estarão condicionadas à aprovação de créditos pelos parlamentares, incluindo 272,153 bilhões de reais em benefícios previdenciários e 119,234 bilhões de reais em despesas com pessoal.
Em relação aos investimentos, o governo previu que eles chegarão a 28,665 bilhões de reais em 2021, dentro de um total de 96,053 bilhões de reais em despesas discricionárias, isto é, sujeitas a cortes.
O número representa um acréscimo ante o patamar de 18,285 bilhões de reais em investimentos no Orçamento de 2020 e, segundo técnicos do governo, não inclui cifras diretamente relacionadas ao chamado Pró-Brasil, plano do governo para retomada da economia após a crise do coronavírus.
Dentro das discricionárias, também está um valor de 4 bilhões de reais separado pelo governo para capitalização de uma nova estatal que será controladora da Itaipu Binacional e da Eletrobras Termonuclear.
Em 2021, as despesas discricionárias responderão por 6,3% do Orçamento, um pouco acima dos 5,8% de 2020, mas num número ainda baixo, que ressalta o forte engessamento para o manejo dos gastos, com 93,7% deles sendo de execução obrigatória.
Por Marcela Ayres; Edição de Isabel Versiani – Reuters