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Brasil

Apesar de proibição, queimadas batem recorde da última década em Mato Grosso

Maior parte do fogo ocorreu em período proibido via decreto, sendo o Pantanal o palco da maior destruição. Impunidade, seca histórica e pandemia são apontadas como causas para cenário trágico.

Homem apagando fogo de queimadas em Mato Grosso
No Pantanal, 95% dos focos de calor deste ano ocorreram no período proibido | Foto: A. Perobelli

Em todo o Brasil, as queimadas para fins agrícolas foram proibidas de meados de julho a meados de novembro por um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas é como se a lei não existisse ou tivesse o efeito contrário do desejado: o número de incêndios em todas as regiões aumentou em 2020 em relação ao ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Em Mato Grosso, as queimadas já estavam proibidas antes do decreto de Bolsonaro, por meio de um decreto estadual. Apesar de o período de proibição ter começado mais cedo que de costume no estado – normalmente vai de 15 de julho a 15 de setembro e, neste ano, iria incialmente de 1º de julho a 30 de setembro e foi prorrogado até 12 de novembro –, o número de focos de calor de julho a setembro aumentou 57% em relação ao mesmo período do ano passado.

Dos 39,9 mil pontos de fogo registrados por satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no estado de janeiro a setembro, 83% (33,1 mil) ocorreram durante os meses da proibição, que são também os mais secos. Só no Pantanal, que, proporcionalmente, é o bioma mais impactado pelas queimadas em Mato Grosso, 95% dos focos de calor ocorreram no período proibido.

Além disso, em 2020, as queimadas na região começaram mais cedo: janeiro, fevereiro e abril já haviam superado o número de focos de calor do ano passado. Em setembro deste ano, eles explodiram e atingiram o dobro do registrado no mesmo mês de 2019.  

Os focos registrados no estado de janeiro até esta quinta-feira (07/10) somam 41,8 mil, número que só foi superado na última década em 2010, que teve 52,3 mil focos no mesmo período. Desde que o sistema de monitoramento do Inpe passou a funcionar, em 1998, o ano mais crítico foi 2004, quando a marca chegou a 86 mil focos no período.

“[A proibição] não teve efeito nenhum na redução do cenário de foco de calor e de áreas atingidas pelo fogo”, comenta Vinícius Silgueiro, coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do Instituto Centro e Vida (ICV), que analisou os dados das queimadas no estado.

“A sensação de impunidade é muito grande. Ver o principal órgão de fiscalização, que é o Ibama, enfraquecido como está é uma mensagem de que quem comete o crime não será autuado e, se for, pode recorrer e não pagar a multa”, analisa.

Endereço conhecido

Em Mato Grosso, estado que também é o maior produtor de soja do país, a análise feita pelo ICV tentou demonstrar que é possível rastrear o começo e o endereço das maiores queimadas. Segundo o levantamento, feito com ajuda de dados da Nasa, nove pontos de origem foram responsáveis por queimar 325 mil hectares.

“Cinco deles foram originados dentro de imóveis que estão dentro do Cadastro Ambiental Rural (CAR)”, comenta Silgueiro. “A gente quer mostrar que é possível chegar à origem.”

O CAR é um registro público eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais. O objetivo é gerar informações ambientais das propriedades para que os órgãos possam fiscalizar se o Código Florestal está sendo cumprido. 

Questionada, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente disse à DW Brasil que, de janeiro a setembro, foram aplicadas multas que somam R$ 1,05 bilhão por crimes como desmatamento e incêndios florestais – sendo 100 milhões desse valor relacionados a crimes relacionados ao uso do fogo.

“O aumento dos incêndios nessa época não é o fogo permitido, é o crime mesmo”, justifica o cenário no estado Alex Sandro Antônio Marega, secretário adjunto Executivo da secretaria. 

Sobre a eficiência da proibição, Marega diz que essa legislação tem a ver com o uso permitido do fogo, já que é preciso autorização dos órgãos responsáveis para o manuseio dessa técnica nas propriedades rurais. “O decreto não permitiu que nenhuma licença fosse expedida e, as que saíram antes do decreto, foram suspensas”, explica. 

“As pessoas que estão cometendo esses crimes hoje vão passar por dificuldades grandes nos próximos anos, porque elas irão responder no administrativo, no Ministério Público, e vão ser responsabilizadas pelo Ministério Público Federal na Justiça Federal”, diz o secretário sobre a ação integrada entre os órgãos.

De janeiro a setembro deste ano, o valor de multas aplicadas no estado é quatro vezes maior que a média histórica. Por outro lado, são poucos os proprietários rurais que chegam, de fato, a pagar pelo crime ambiental: 97,2% deles conseguem se livrar da penalidade, segundo dados da própria secretaria.

Entre 2018 e 2019, porém, a taxa de recebimento das multas em Mato Grosso saltou de 2,8% para 19%. “Montamos uma força-tarefa e temos expectativa de aumentar esse índice em 2020”, comenta Marega.

Crime de grilagem

Nem todo fogo começa para limpeza de pasto. Em Novo Mundo, norte de Mato Grosso, famílias do Pré-Assentamento Boa Esperança acusam grileiros de provocar um incêndio para expulsá-las da área.

Há menos de um mês, chamas destruíram casas, plantações, cercas, vegetação e animais no local, onde moram 300 pessoas. Cerca de 90% da área ocupada pelas famílias foi destruída, segundo o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de Mato Grosso (CDDPH) e o Fórum de Direitos Humanos e da Terra (FDHT/MT).

Disputas nas Justiça em andamento há mais de dez anos deram às famílias o direito de permanecer nas terras, que são da União, e pediram a expulsão do ocupante ilegal, sediado na antiga Fazenda Araúna.

“Em julho, numa reunião, as famílias nos disseram que tinham medo de que o grileiro ateasse fogo como forma de expulsá-las”, conta Inácio Werner, do FDHT. “E foi o que aconteceu. As famílias perderam muitas coisas, mas continuam lá”, afirma, adicionando que foram registrados diversos boletins de ocorrência sobre o caso.

Impunidade como motivação para o crime

A certeza da impunidade também é vista pela secretaria estadual como uma das razões para crimes desse tipo.

“Achar que vai ficar impune é um dos motivos, certamente. A seca, a maior dos últimos 50 anos, também contribui muito. E a pandemia é vista como um fator”, aponta Marega sobre as causas para o recorde de queimadas no estado encontradas pelo comitê que gerencia a situação.

Segundo ele, muitos criminosos aproveitaram a emergência de saúde para cometer os crimes ambientais por acharem que os órgãos estaduais ficariam inoperantes. “Mas em abril nossos equipes já estavam em campo, com todas as medidas de proteção contra o coronavírus”, afirma.

Para Silgueiro, do ICV, o quadro trágico é reflexo do desmonte e corte de recursos do Ibama, principal órgão responsável por fiscalizar delitos ambientais no país e por ações de prevenção contra queimadas.

“É preciso deixar claro que esse tipo de crime ambiental não será tolerado e também fortalecer as equipes de combate e formar brigadistas em regiões que todo ano pega fogo”, diz.

A tragédia já tinha sido, de uma certa forma, anunciada pela ciência. Institutos, como o próprio Inpe, haviam alertado para o risco das chamas mais intensas nesta temporada devido às condições climáticas.

“Existe também uma conivência do setor produtivo em negar o problema, que encontra um governo federal que nega o problema”, comenta Silgueiro.

Por: Nádia Pontes/DW

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Saúde

Erro médico faz mulher tratar por 6 anos câncer inexistente

Justiça de São Paulo condenou a Amico Saúde, empresa médica de São Bernardo do Campo a pagar R$ 200 mil de indenização à paciente

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Uma mulher de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, recebeu uma indenização de R$ 200 mil da Amico Saúde, empresa médica que a submeteu a um tratamento de quimioterapia por seis anos por uma metástase óssea que nunca existiu. A Justiça de São Paulo considerou que houve erro médico de diagnóstico e tratamento, que causou danos físicos e psicológicos à paciente.

A mulher, que tinha 54 anos em 2010, foi diagnosticada corretamente com câncer de mama e fez uma mastectomia. Porém, em outubro do mesmo ano, um novo exame indicou que ela tinha metástase óssea, ou seja, que o câncer havia se espalhado para os ossos. Ela então iniciou um tratamento de quimioterapia, que continuou mesmo após mudar de plano de saúde em 2014.

Em 2017, os médicos do novo plano de saúde desconfiaram do diagnóstico e pediram um exame mais preciso, chamado PetScan, que revelou que a mulher não tinha metástase óssea. O resultado foi confirmado por outro exame em 2018 e por um laudo pericial do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo.

Um exame feito em 2010, na mesma época em que ela começou a quimioterapia, já havia apontado que a probabilidade de ela ter metástase óssea era baixa, mas esse dado foi ignorado pelos médicos da Amico Saúde. A Justiça não conseguiu explicar por que a mulher foi tratada de forma equivocada por tanto tempo, se por negligência ou por economia.

A mulher relatou que sofreu muito com os efeitos colaterais da quimioterapia, como dor, insônia, perda óssea, perda de dentes e limitação dos movimentos da perna. Ela também disse que viveu uma grande angústia psicológica, achando que iria morrer a qualquer momento. “Cada sessão de quimioterapia se tornava um verdadeiro tormento à autora, porque a medicação é muito forte e possui inúmeros efeitos colaterais”, afirmou a defesa da paciente.

A sentença que condenou a Amico Saúde a pagar R$ 200 mil de indenização foi dada em primeira instância e confirmada pelo Tribunal de Justiça. O relator do recurso, o desembargador Edson Luiz de Queiroz, destacou que “a paciente foi levada a sofrimento que poderia ter sido evitado”.

No final de 2023, a Amico Saúde fez um acordo com a mulher e pagou os R$ 200 mil.

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Política

Lula anuncia Ricardo Lewandowski como novo Ministro da Justiça

Jurista se aposentou como ministro do STF em abril de 2023, perto de completar 75 anos

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Em uma cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta quinta-feira (11) a escolha do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski para comandar o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Lewandowski substituirá Flávio Dino, que foi indicado por Lula para ocupar uma vaga no STF e teve seu nome aprovado pelo Senado.

Lula destacou o currículo e a experiência de Lewandowski, que foi “um extraordinário ministro da Suprema Corte” e aceitou o convite na quarta-feira (10). O presidente disse que a nomeação será publicada em 19 de janeiro e que o novo ministro tomará posse em 1º de fevereiro. Até lá, Flávio Dino permanecerá à frente da pasta, que ele conduziu de forma “magistral”, segundo Lula.

“Eu acho que ganha o Ministério da Justiça, ganha a Suprema Corte e ganha o povo brasileiro com essa dupla que está aqui do meu lado, cada um na sua função”, afirmou Lula, que estava acompanhado de Lewandowski, Flávio Dino, e da primeira-dama, Janja da Silva.

Lula também declarou que dará autonomia para que Lewandowski monte sua própria equipe na Justiça, mas que pretende conversar com ele em fevereiro sobre os nomes que ficarão ou sairão do ministério. O presidente comparou a situação a um técnico de futebol, que deve escalar seu próprio time e ser responsável pelos resultados.

“[Em 1º de fevereiro] Ele [Lewandowski] já vai ter uma equipe montada, ele vai conversar comigo e aí vamos discutir quem fica, quem sai, quem entra, quais são as novidades”, disse Lula.

Ao final da cerimônia, Lula revelou que a primeira-dama Janja espera que mulheres tenham mais espaço na nova gestão da Justiça, ao que Lewandowski respondeu: “Certamente”.

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Saúde

Menina de 8 anos se queixa de dores de cabeça, desmaia e morre após AVC

Maria Julia de Camargo Adriano estava na rede da casa onde morava em Ribeirão do Pinhal (PR) quando se queixou de dores na cabeça

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Uma tragédia abalou a família de Maria Julia de Camargo Adriano, de 8 anos, que morreu após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) no último sábado (6). A menina, que era natural de Paraná, tinha o sonho de ser veterinária e era muito inteligente e dedicada aos estudos.

Segundo relatos da família, Maria Julia começou a sentir fortes dores de cabeça e perdeu a consciência. Ela foi socorrida e levada ao hospital mais próximo, onde os médicos constataram que ela tinha um sangramento no cérebro.

Devido à gravidade do caso, ela precisou ser transferida duas vezes, até chegar ao Hospital Universitário (HU) de Londrina, onde ficou internada na Unidade de terapia intensiva (UTI). Apesar dos esforços da equipe médica, ela não resistiu e teve a morte confirmada na segunda-feira (8).

A causa do AVC foi um aneurisma, uma dilatação anormal dos vasos sanguíneos, que se rompeu e provocou uma hemorragia cerebral. A tia de Maria Julia, Adriana, disse que a menina não tinha nenhuma doença pré-existente e que os médicos consideraram o ocorrido uma fatalidade.

O AVC é uma condição que afeta principalmente adultos, especialmente aqueles que têm fatores de risco como diabetes, obesidade e tabagismo. Em crianças, é muito raro e pode estar associado a alguma má formação na estrutura corporal.

A médica neurologista Adriana Moro explicou que o AVC em crianças é difícil de ser diagnosticado, pois não é uma suspeita comum quando há alguma alteração neurológica. Ela alertou para a importância de reconhecer os sintomas do AVC, como dor de cabeça, fraqueza, alteração da fala e visão, e procurar atendimento médico imediato.

A família de Maria Julia está devastada com a perda da menina, que era alegre, carinhosa e amava os animais. Eles pedem orações e apoio neste momento de dor e luto.

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