O badalado fotógrafo Mous Lamrabat é um mestre do hibridismo. Seus retratos alegres e coloridos unem símbolos de sua herança marroquina e fé muçulmana com marcas ocidentais e da cultura pop. A positividade que o trabalho dele exala o torna não apenas irresistível, mas também instigante, quase malicioso.
“A emoção penetra na alma, então acho que humor e diversão são as melhores ferramentas que temos”, disse ele, em entrevista por telefone da Bélgica, onde vive. “Não posso mudar os preconceitos das pessoas, só posso mostrar a elas que há muito mais em nós do que elas possam pensar.”
Lamrabat nasceu em uma vila amazigh (ou berbere) no norte de Marrocos e cresceu na cidade belga de Sint-Niklaas. Um entre nove filhos, ele se lembra de se sentir diferente de seus colegas de escola.
“Todo mundo tinha tênis de grife e eu tinha aqueles de corrida bem baratos. Mas eu costumava dizer: ‘Sou tão esperto que posso correr muito mais rápido porque eles são muito leves’. A criatividade realmente começou para mim como uma maneira de lidar com a diferença”, contou ele.
Obra do fotógrafo Mous Lamrabat – Foto: Mous Lamrabat
Lamrabat estudou design de interiores na Academia Real de Belas Artes de Ghent, na Bélgica, antes de se dedicar à fotografia. Embora no começo tenha lutado para encontrar uma voz, a visão dele começou a se cristalizar durante uma viagem de volta ao Marrocos, três anos atrás.
“Depois de ficar sem trabalho e redescobrir o Marrocos, vi que o trabalho estava ali, parado na minha frente como um grande elefante”, lembrou.
Existir e criar entre muitos mundos – marroquino, berbere, africano, europeu, muçulmano – levou Mous Lamrabat a criar seu próprio lugar, o “Mousganistão” – um universo colorido onde a diáspora do Norte da África finalmente se sente em casa.
Nele, os arcos dourados do McDonald’s se tornam henna e as máscaras mexicanas de luta livre complementam os caftans (uma espécie de sobretudo).
Obra do fotógrafo Mous Lamrabat – Foto: Mous Lamrabat
“Quem vive entre culturas sente que precisa escolher uma delas e, às vezes, fica exausto com isso”, contou ele. “Foi por isso que comecei essa coisa do Mousganistão, porque não precisamos escolher. Se você possui as duas culturas e pode navegar entre elas, isso o torna único.”
Temas
Um tema recorrente no trabalho recente desse artista é o logotipo da Nike, conhecido como Swoosh. Em uma foto, ele aparece ao lado de um par de sapatos marroquinos conhecidos como babouche; em outra, um jovem vestindo uma jelaba (uma túnica tradicional e larga) come uma fatia de melancia esculpida na forma distinta do símbolo. De repente, as peças não parecem tão conservadoras.
Obra do fotógrafo Mous Lamrabat – Foto: Mous Lamrabat
“A jelaba pode ser super elegante, e eu amo o fato de ela ser como uma tela em branco, deixando o status desaparecer sob ela. Por que não criar um trabalho que permita às pessoas ver essa peça como uma coisa bonita?”, questionou Lamrabat.
“Estou esperando o momento de lançar uma coleção de jelabas, porque quando uso na Bélgica, as pessoas ficam olhando.”
Lamrabat também veste seus modelos com niqab (um tipo de véu) ou os cobre completamente com uma camada de tecido. Enquanto reformula o vestuário casto (“Adoro mostrar garotas usando o niqab e se divertindo”), também permite que o espectador se veja no trabalho do artista.
“Se você esconde um rosto, o mistério começa. Quando as pessoas leem imagens, o primeiro olhar se dirige sempre para os olhos – elimine-os da imagem e as pessoas vão direto para a terceira visão. Depois disso, talvez eu possa criar uma quarta, uma quinta e uma sexta visão.”
Obra “Nike, please call me”, do fotógrafo Mous Lamrabat – Foto: Mous Lamrabat
Imagens abertas à interpretação
Deixar as imagens abertas à interpretação significa que o trabalho pode ressoar mais amplamente. “Duas pessoas se beijando sob um lenço foi lido tanto como algo sobre homossexualidade como sobre duas pessoas que se encontraram pela primeira vez após um casamento”, disse ele.
“Para mim, é bom começar a conversa e fazer você pensar, porque a normalidade realmente não existe.”
Lamrabat fez sua primeira exposição individual em 2019 em sua cidade natal. Foi a primeira vez que ele mostrou de fato o trabalho aos próprios pais.
“Foi a melhor experiência da minha vida. Ter pessoas demonstrando amor e parabenizando meu pai e minha mãe foi muito emocionante”, lembrou. “Como imigrante, você sempre se preocupa com o fato de seus pais não aprovarem o que você faz.”
Obra “Wu-Tang forever”, de Mous Lamrabat – Foto: Mous Lamrabat
No ano passado, o fotógrafo foi muito requisitado em exposições em Abu Dhabi, Paris, Lagos e Amsterdã e fotos para capas de revistas como Nataal, Stylist e Tush, além de uma campanha para a YSL Beauty. Para um editorial recente da edição italiana da revista Esquire, o fotógrafo mesclou períodos de tempo em vez de culturas, repensando o retrato histórico.
Em uma tomada única, O filho do homem, de René Magritte, ganhou um facelift versão 2020. A imagem divertida ainda é inconfundivelmente de autoria de Lamrabat, embora não apresente nenhuma estética norte-africana.
Obra “X-Rated copy”, de Mous Lamrabat – Foto: Mous Lamrabat
“Meu maior pesadelo é ser escolhido para alguma coisa porque sou africano, marroquino ou muçulmano, e não por causa da qualidade do meu trabalho”, contou ele.
Lamrabat espera que seu sucesso estabeleça as bases para as crianças da terceira cultura — nem a primeira cultura, do país onde nasceram, nem a segunda, daquele para o qual imigraram. “Eu amo o lugar de onde venho. Meu objetivo na vida é mostrar que somos criativos e estamos nos movendo junto com todos os outros. Estamos aqui e temos o direito de ser nós mesmos”.
Por Miriam Bouteba – CNN